Ele estava ali, na entrada da farmácia. Ora se deitava, ora se sentava, apoiado nas patas dianteiras. Era um cão grande, de pelagem de cor branca, ainda visível, sob a sujeira que lhe dava um tom amarelo-amarronzado. Permanecia deitado, os olhos cerrados, numa sonolência apenas interrompida quando algum passante ou suas pulgas o molestavam. Levantava as orelhas preguiçosamente e semi abria os olhos ou se coçava com vigor e voltava a sua plácida vida de cão livre, sem dono, nem obrigações.
De repente, ele se levantou, sacudiu o rabo, examinando o ar com interesse.
Ela vinha com passos vagarosos, olhando para um lado e para o outro, com ar interrogativo. Usava, apesar do calor, um grande xale, outrora branco e que, agora, tinha a cor indefinida das coisas velhas. Era uma presença marcante, contrastando com os leves trajes de verão das demais pessoas.
O cão, ao reconhecê-la, pôs-se de pé, espreguiçou-se; abanou a cauda e se deitou sobre as costas, com as patas encolhidas e a barriga rosada, oferecendo-se às carícias. E esperou, com o olhar entre feliz e temeroso.
Ela o viu ali deitado, abriu um grande sorriso, apressou-se e para espanto dos que passavam e não haviam notado o cão, falou com a voz meiga e carinhosa:
- Meu bichinho lindo! Você está aí!
Sentou-se no chão, ao lado do animal. Passou a mão enrugada sobre a barriga do cão, alisando-a docemente, com carinhos maternais. Ele contorcia-se, prazerosamente, lambia-lhe a mão. Ela continuou ali, sentada, acariciando-o, indiferente aos olhares reprovadores ou atônitos dos que olhavam a cena. Ele colocou a cabeça sobre os seus joelhos e adormeceu tranqüilo. Ninguém os incomodou. Ainda estavam assim, quando segui meu caminho, temendo atrapalhar a felicidade dos dois.
Ambos haviam reencontrado o último amigo.
(Colaboração de Lela Menezes - integrante do Grupo Vivavós)